sexta-feira, 11 de julho de 2008

Para quê explicar se posso sentir?

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O que posso dizer quando semana passada me vi totalmente sem chão com dois espetáculos do qual já havia assistido antes, porém com um pequeno detalhe ambos os trabalhos foram vistos por mim a exatos um ano atrás. Depois não me veio oportunidades para rever esses trabalhos. Quando assisti pela primeira vez o diagnóstico era o seguinte:
Image and video hosting by TinyPic Estréia;
Image and video hosting by TinyPicEspetáculo de conclusão do curso técnico de dança do Ceará;
Image and video hosting by TinyPicNervos a flor da pele;
Image and video hosting by TinyPicAnsiedade
Image and video hosting by TinyPicAmadurecimento

Naquela época não eram só esses dois trabalhos que entrariam em cena e sim mais outros três. Sentei na poltrona confortável do Teatro do Dragão do mar, olhei o programa para saber quais os espetáculos da noite e apostei todas as minhas fichas em um deles, do qual já conhecia a coreógrafa que por sinal de grande talento, porém, não fora ela que surpreendeu, e sim esses dois espetáculos do qual falarei com mais detalhes.
O primeiro era o de Jacqueline Peixoto intitulado Delicatesse, ensaio para ser mulher, segundo a própria criadora este trabalho busca um diálogo com a corporalidade feminina e é inspirada na obra de Clarice Lispector propondo um olhar sobre o dia a dia do universo feminino. Inclusive essas palavras foram colocadas como sinopse do trabalho no programa daquele dia. Quando a iluminação do palco começou a clarear a primeira cena, e a bailarina iniciou suas primeiras frases de movimento, me vi tomada de extrema atenção, pois embora o nervosismo fosse por ora evidente, a qualidade na movimentação se fazia presente. A delicadeza de cada cena, o figurino, que a meu ver deixava vibrar ainda mais esse universo feminino do qual Jacqueline propunha em seu trabalho. A música por vezes me angustiava, talvez por causa das várias cenas em que havia repetição de movimento. Quando acabou fiquei ali sentada sem reação, pois conhecendo a história de Jacqueline que vem do teatro, não imaginava assistir a um trabalho de dança tão rico em pesquisa de movimento, embora algumas más línguas diziam por aí que aquele trabalho tinha muito da assinatura de um outro coreógrafo que fora professor do curso técnico, o que eu achei o contrário, poderia até ter existido uma ajuda, mas não a assinatura de outro coreógrafo que não fosse a própria Jacqueline.
Aquele turbilhão de sensações que me causaram esse espetáculo ficou guardada em minha memória por muito tempo, até que a exatos um ano depois fui assistir pela segunda vez a esse trabalho. O contexto era bem diferente da primeira vez que assisti, pois dessa vez ele não estava sendo apresentado dentro da caixa preta com um aparato de iluminação detalhado. Estava sendo apresentado no Mercado dos Pinhões, um local aberto onde um tablado se fazia palco e o recurso de iluminação era bem pouco. O palco era bem próximo das pessoas o que tornou a minha perspectiva como espectadora ser totalmente diferente. Escolhi dessa vez ficar bem próximo do palco o que foi ótimo, pois a minha reação de emoção me deixou realmente paralisada quando tudo terminou . Um sentimento de alegria e emoção tomou conta de mim, pois não era o mesmo espetáculo, muito havia sido modificado. O tempo havia se prolongado e cenas haviam sido acrescentadas. As bailarinas que entraram meninas há um ano atrás entraram mulheres dessa vez, mulheres expressivas, fortes e delicadas. A movimentação estava com uma qualidade incomparável há um ano, existia pontuação e textura no movimento, a repetição, marca desse processo fazia com que cada seqüência fosse sendo reinventada em cena. Havia vida, havia emoção, ao contrário do que vejo muito por aí a coreografia não era simplesmente movimento pelo movimento, cada detalhe desde um olhar, até o mexer dos cabelos tinham um significado forte e presente. Muito tentou-se debater sobre o espetáculo, houve quem quisesse explicar o que para mim naquele momento era inexplicável, pois não existia qualquer palavra que pudesse descrever a emoção que tomara conta de toda a platéia inclusive de mim, não havia ferramentas do meu intelecto que pudessem dar um significado coerente para o que eu havia assistido naquele dia.
Ao acabar o trabalho da Jacqueline eu mal havia me refeito das emoções, sobe ao palco Márcio Medeiros com seu solo Desespero para a felicidade ou, se eu não gostar, nada é para sempre. Bom esse também fora um caso a parte na primeira vez que assisti, pois eu não sabia nada sobre o Márcio e seu histórico de dança. Quando ele se colocou na boca de cena e começou a falar para o público, naquele instante ele parecia estar dentro de uma grande tela, fazendo parte de uma grande pintura, pois a cenografia me transportava para esse universo das artes plásticas. O trabalho era esteticamente bem organizado, tinha uma plástica linda, porém não consegui, embora ele tenha sido um trabalho que também ficou marcado em minha memória, ver o desespero pela felicidade, do qual o intérprete-criador se propunha, achei que a movimentação deixou a desejar, faltava algo, ficou um buraco, embora plasticamente eu tenha adorado a idéia e o trabalho. Fiquei sentada na poltrona com vontade de pedir que o Márcio me mostrasse esse desespero pela felicidade que eu não consegui achar, sai com uma sensação de vazio. Porém passado um ano fui assistir novamente o Márcio em cena que se apresentou em seqüência ao trabalho da Jacqueline. Não havia cenário, aquele visual plástico perfeito não estava lá, o que havia mesmo era o material corporal. Daí é que o negócio ficou bom, pois a seqüência de movimento era a mesma de um ano, mas com um diferencial que foi o ponto crucial para me deixar extasiada, eu via em cada cena que o Márcio repetia a reinvenção do movimento e do tempo, vi um Márcio maduro, vivo, inteiro e que conseguiu me mostrar o desespero pela felicidade. Talvez ele até quisesse que o cenário estivesse lá, mas foi bom que não estivesse, pois os detalhes ficaram mais claros, não se escondiam atrás da plástica perfeita. O mesmo processo de pontuação no movimento que tinha no trabalho de Jacqueline tinha no de Márcio, a repetição acabava se reinventando de tal maneira que não era mais repetição, vi um corpo presente, dando tudo de si pelo desespero para a felicidade, posso dizer com toda convicção que havia um derramamento de si naquele palco com propriedade, com intensidade, com maturidade. Mais uma vez não consegui encontrar ferramentas possíveis que explicassem o que sentia naquele momento, por mais que eu tentasse me faltavam às palavras, e fiquei me perguntando para quê preciso buscar significados e explicações quando posso apenas me sentar, assistir e me dar ao direito de me emocionar, nada de explicações e viva as emoções. Espero poder assistir a outros espetáculos que façam eu mais sentir do que procurar explicações.
 
©2007 '' Por Elke di Barros